Relatos nas redes sociais contam histórias de pessoas que se infectaram por covid-19 ou morreram de complicações da doença mesmo após tomarem a vacina.
O caso do cantor Agnaldo Timóteo, por exemplo, foi um dos mais recentes — e notórios. Ele já havia tomado a segunda dose do imunizante quando começou a apresentar sintomas do novo coronavírus e veio a falecer semanas depois.
Ele não foi — e provavelmente não será — o único. Mas casos assim, ainda que amplamente noticiados pela imprensa, devem ser tratado como um “evento raro” e não significa que as vacinas não funcionam, principalmente se forem tomadas as duas doses do imunizante, no intervalo correto.
“As pessoas têm muita dificuldade de entender qual é a função de uma vacina”, diz Natalia Pasternak, bióloga e divulgadora científica brasileira, fundadora e primeira presidente do Instituto Questão de Ciência. “Elas acham que a vacina é mágica. Ou seja, tomou a vacina, está protegido; não tomou, vai ficar doente. Não é assim que vacinas funcionam.”
Segundo Pasternak, as vacinas “reduzem a chance de ficarmos doentes, a chance de precisarmos de hospitalização e a chance de morrermos”.
“Basicamente, trata-se da redução de risco que observamos em uma população. Casos individuais não servem para a gente dizer se uma vacina é boa ou não. Precisamos olhar como essa vacina se comporta em uma população.”
“Em determinada população, a vacina reduziu a incidência da doença? Então, ela funciona”, resume.
E foi exatamente isso que os testes de eficácia das principais vacinas disponíveis no Brasil e no restante do mundo mostraram.
A taxa de eficácia geral da CoronaVac, por exemplo, a vacina mais usada no Brasil, é de 50,38%. E a proteção é de 78% para casos leves, segundo informou o Instituto Butantan em janeiro deste ano.
Isso significa que a vacina reduziu em 50,38% o número de casos sintomáticos entre os voluntários da pesquisa e em 78% o número de infecções leves.
Durante os testes, nenhum participante vacinado morreu ou foi hospitalizado por covid-19, o que fez o governo de São Paulo divulgar na ocasião uma taxa de 100% de eficácia para casos graves.
Mas o próprio Instituto Butantan esclareceu que essa informação não era estatisticamente significativa. Isso porque não se sabe se foi a vacina que evitou os casos graves durante o estudo ou se eles não teriam ocorrido de qualquer forma, já que o número de casos graves no grupo placebo não foi significativo.
“Em outras palavras, se você tomar a CoronaVac, você reduz pela metade ou em 50% a sua chance de ficar doente comparado com alguém que não se vacinou. É isso que essa vacina faz. Ela reduz a sua chance de ficar doente pela metade. Já a sua chance de desenvolver doença grave é reduzida em praticamente cinco vezes comparado com alguém que não se vacinou. Nenhuma vacina oferece proteção de 100%”, explica Pasternak.
No Chile, onde a CoronaVac também é a vacina mais aplicada (90%), testes recentes de larga escala mostraram resultados até mais otimistas.
Segundo o Ministério da Saúde chileno, um estudo com 10,5 milhões de pessoas mostrou que o imunizante tem 80% de efetividade para prevenir mortes, 14 dias depois da segunda dose. Os resultados mostram que a vacina chinesa foi efetiva em 89% para evitar a internação de pacientes críticos em UTIs, em 85% para prevenir as hospitalizações e 67% para impedir a infecção sintomática da doença.
O Chile é um dos países que mais vacinam no mundo. Quatro em cada 10 chilenos (41%) já receberam pelo menos uma dose, taxa inferior apenas à de Israel (62%) e Reino Unido (49%). E 30% tomaram as duas doses.
Analogia do goleiro
Assim como outros epidemiologistas, Pasternak recorre à analogia do goleiro.
“Uma boa vacina é como se fosse um bom goleiro. E como sabemos que o goleiro é bom? Vamos olhar o histórico dele. A frequência com a qual ele faz defesas. Se ele defende com frequência, ele é um bom goleiro. Isso não quer dizer que ele é invicto, que ele nunca vai deixar de tomar gol. Mas, mesmo se tomar gol, ele não deixa de ser um bom goleiro. Precisamos olhar o histórico dele”, diz.
“Mas se o time dele for uma droga, se a defesa do time dele for uma droga, ele vai tomar mais gol, porque vai ter muito mais bolas indo para o gol, então a probabilidade de ele errar aumenta”, acrescenta.
Mas, então, o que faz essa probabilidade variar?
Aludindo à mesma analogia, Pasternak explica: “Se a defesa do time dele não usar máscara, fizer aglomeração, haverá muito mais vírus circulando, ou seja, mais bolas para o gol, então a probabilidade de ele tomar gol é maior. A mesma coisa acontece com uma vacina”.
“A vacina diminui o seu risco de ficar doente, agora se você estiver numa área onde a defesa do time é ruim, onde o vírus está circulando muito, a chance de você ficar doente aumenta. Ou seja, as bolas ao gol. E a vacina é o goleiro”.
E, claro, se a pessoa que ficar doente já tiver comorbidades (doenças associadas), como obesidade, diabetes, hipertensão ou asma, por exemplo, sua chance de desenvolver o quadro mais grave da doença é, portanto, maior — mesmo já tendo sido vacinada.
Conclusão: vacinas funcionam, mas não são infalíveis. Mas, apesar de essa probabilidade ser pequena, quanto mais a doença estiver circulando, maior é a chance de o imunizante falhar.
“As vacinas aprovadas para Covid-19 são eficazes em proteger contra a doença, mas nenhuma vacina é 100% eficaz. O risco de infecção por Sars-CoV-2 em pessoas totalmente vacinadas não é completamente eliminado enquanto houver transmissão contínua do vírus na comunidade”, reforça Denise Garrett, infectologista, ex-integrante do Centro de Controle de Doenças (CDC) do Departamento de Saúde dos EUA e atual vice-presidente do Sabin Vaccine Institute (Washington).
“Vamos ter uma pequena porcentagem de pessoas totalmente vacinadas que ainda ficarão doentes, serão hospitalizadas ou morrerão de covid-19. Esse número vai depender da eficácia da vacina, da taxa de circulação do vírus, e da prevalência de novas variantes. Por isso, a adesão às medidas de prevenção, como uso de máscaras e distanciamento social, continua a ser importante no contexto da implementação da vacina”, acrescenta.
E, embora esteja passando pelo pior momento da pandemia, o Brasil tem um índice de isolamento social baixo: 38,3% segundo dados da empresa Inloco, colhidos a partir de dados de GPS e internet de celulares, relativos ao fim de março.
Garrett trabalhou por mais de 20 anos no CDC, órgão ligado ao Departamento de Saúde dos EUA (equivalente ao Ministério da Saúde no Brasil), como conselheira-residente do Programa de Treinamento em Epidemiologia de Campo (FETP) no Brasil, líder da equipe no Consórcio de Estudos Epidemiológicos da Tuberculose (TBESC) e conselheira-residente da Iniciativa Presidencial contra a Malária em Angola.
“Temos que enfatizar que existem evidências que pessoas totalmente vacinadas têm menos probabilidade de ter infecção assintomática e, potencialmente, menos probabilidade de transmitir a Sars-CoV-2 a outras pessoas”, conclui.
Tais evidências foram observadas em países onde a vacinação está mais avançada, como Israel. Ali, as infecções entre as pessoas com mais de 60 anos caíram 77% até 24 de fevereiro, enquanto as hospitalizações nesta faixa etária foram reduzidas em 68%.
Sendo assim, destaca Garrett, “a vacina é uma ferramenta essencial para controlar a pandemia. O que as pessoas precisam entender é que o fato de terem ocorrido casos e até mesmo algumas hospitalizações e mortes (muito mais raras) entre vacinados não significa que a vacina não funciona. A vacina funciona e muito! Mas a proteção, apesar de alta para casos graves e óbitos, não é 100%”.
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