A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira dia 14 o projeto que define em quais as situações será configurado o crime de abuso de autoridade. Primeiro, os deputados aprovaram um regime de urgência para o projeto e, horas depois, fizeram uma votação simbólica, em que o eleitor não consegue saber como votou cada parlamentar.
O texto considera crime, entre outros pontos, obter provas por meio ilícito, decidir por prisão sem amparo legal, decretar condução coercitiva sem antes intimar a pessoa a comparecer ao juízo, submeter o preso ao uso de algemas quando não há resistência à prisão, invadir imóvel sem determinação judicial e estender a investigação de forma injustificada. O texto prevê, em alguns casos, pena de prisão para promotores e juízes.
Como a proposta já foi aprovada pelo Senado, seguirá para sanção do presidente Jair Bolsonaro. Segundo o líder do governo, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), e a deputada Bia Kicis (PSL-DF), ambos do partido de Bolsonaro, o presidente deverá vetar alguns pontos do texto aprovado.
Argumentos contra e a favor
Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi aprovado “o melhor texto”.
“É o texto mais amplo, onde todos os poderes respondem a partir da lei”, afirmou Maia.
Segundo ele, a “grande crítica” a outro texto da Câmara sobre o assunto se dava porque a redação só tratava do Poder Judiciário e do Ministério Público. “Eu acho que é o texto justo [aprovado nesta quarta]. Não fica parecendo que se aprova algo contra um poder. É se organizar para que todos tenham responsabilidade nos seus atos”, acrescentou.
Durante a sessão, deputados se manifestaram a favor e contra a proposta. Arthur Maia (DEM-BA), por exemplo, disse que o objetivo não é impedir o funcionamento de qualquer instituição pública, mas, sim, garantir o “comedimento”. “Estamos limitando o direito da autoridade através da votação de uma lei que é justa e necessária”, acrescentou.
Com opinião divergente, Carla Zambelli (PSL-SP) disse que o texto “vai acabar com várias investigações” e vai deixar a polícia “numa saia justa tremenda” em várias situações.
Daniel Coelho (Cidadania-PE), por sua vez, disse que não há problemas em o Congresso definir o que é abuso de autoridade, mas ele defendeu que houvesse um debate “melhor” sobre a proposta. “Acho possível a construção do consenso. Nós não temos opinião radical sobre esse assunto”, acrescentou.
Ao se pronunciar sobre o projeto, Giovani Cherini (PL-RS) disse ser um “absurdo” o fato de o Brasil discutir, segundo ele, o tema há 30 anos e não definir o que é abuso de autoridade. “É para o agente público, não é para juiz, não é para promotor, é para o agente público. O cidadão fica sabendo quando um político está envolvido. Agora, e quando um cidadão comum é abusado, muitas e muitas vezes?”, indagou.
Durante a orientação de bancada, Carlos Sampaio (PSDB-SP) disse que o projeto representa avanço, mas acrescentou que iria liberar os deputados tucanos a votar como quisessem. “O projeto de lei efetivamente, ao abordar os Três Poderes, traz um avanço”, afirmou Sampaio.
Ainda na sessão, Marcel Van Hattem (Novo-RS) disse que o projeto não foi debatido, embora o argumento de alguns parlamentares fosse o de que a proposta foi enviada em 2017.
O que vai configurar crime de abuso de autoridade
- Obter prova em procedimento de investigação por meio ilícito (pena de um a quatro anos de detenção);
- Pedir a instauração de investigação contra pessoa mesmo sem indícios de prática de crime (pena de seis meses a dois anos de detenção);
- Divulgar gravação sem relação com as provas que se pretende produzir em investigação, expondo a intimidade dos investigados (pena de um a quatro anos de detenção);
- Estender a investigação de forma injustificada (pena de seis meses a dois anos de detenção);
- Negar acesso ao investigado ou a seu advogado a inquérito ou outros procedimentos de investigação penal (pena de seis meses a dois anos);
- Decretar medida de privação da liberdade de forma expressamente contrária às situações previstas em lei (pena de um a quatro anos de detenção);
- Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado de forma manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo (pena de um a quatro anos de detenção);
- Executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária (pena de um a quatro anos de detenção);
- Constranger preso com violência, grave ameaça ou redução da capacidade de resistência (pena de um a quatro anos de detenção);
- Deixar, sem justificativa, de comunicar a prisão em flagrante à Justiça no prazo legal (pena de seis meses a dois anos de detenção);
- Submeter preso ao uso de algemas quando estiver claro que não há resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do preso (pena de seis meses a dois anos de detenção);
- Manter homens e mulheres presas na mesma cela (pena de um a quatro anos de detenção);
- Invadir ou entrar clandestinamente em imóvel sem determinação judicial (pena de um a quatro anos de detenção);
- Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia muito maior do que o valor estimado para a quitação da dívida (pena de um a quatro anos de detenção);
- Demora “demasiada e injustificada” no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de atrasar o andamento ou retardar o julgamento (pena de seis meses a 2 anos de detenção);
- Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação (pena de seis meses a 2 anos de detenção).
Ação penal
- Os crimes de abuso de autoridade são de ação penal pública incondicionada, ou seja, o Ministério Público é o responsável por entrar com a ação na Justiça, sem depender da iniciativa da vítima. Se não for proposta a ação pelo MP no prazo legal, a vítima poderá propor uma queixa.
Divergência de interpretação
- O texto diz que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas “não configura, por si só, abuso de autoridade”.
Efeitos da condenação
Uma vez condenado, o infrator:
- será obrigado a indenizar a vítima pelo dano causado pelo crime;
- estará sujeito à inabilitação para o exercício do cargo, mandato ou função pública por um a cinco anos;
- estará sujeito à perda do cargo, mandato ou função pública.
Penas restritivas de direitos
O condenado pelo crime de abuso de autoridade também pode ser condenado a penas restritivas de direitos, como:
- prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas;
- suspensão do exercício do cargo, função ou mandato pelo prazo de um a seis meses, com perdas dos vencimentos e das vantagens;
- proibição de exercer funções de natureza policial ou militar no município onde foi praticado o crime e onde mora ou trabalha a vítima, pelo prazo de um a três anos.
Leis para julgamento dos crimes
- O Código de Processo Penal e a lei que trata do processo nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais serão usadas para o processo penal dos crimes de abuso de autoridade.
Mudanças na prisão temporária
- Determina que o prazo (atualmente em 10 dias) deve constar do mandado de prisão, que também deve conter o dia em que o preso será libertado. E estabelece que, terminado o período, a Justiça deve colocar o preso em liberdade imediatamente, exceto se houver prorrogação da prisão temporária ou decretação da prisão preventiva.
Crime para interceptação telefônica
- Torna crime a realização de interceptação telefônica ou de dados, escuta ambiental ou quebra de segredo de Justiça, sem autorização judicial. A pena será de 2 a 4 anos de prisão.
Quem pode ser enquadrado?
De acordo com o texto, os seguintes agentes públicos poderão ser enquadrados no crime de abuso de autoridade:
- servidores públicos e militares;
- integrantes do Poder Legislativo (deputados e senadores, por exemplo, no nível federal);
- integrantes do Poder Executivo (presidente da República; governadores, prefeitos);
- integrantes do Poder Judiciário (juízes de primeira instância, desembargadores de tribunais, ministros de tribunais superiores);
- integrantes do Ministério Público (procuradores e promotores);
- integrantes de tribunais e conselhos de conta (ministros do TCU e integrantes de TCEs).
Tramitação
A proposta chegou à Câmara em 2017 e foi apensada (juntada) a outra semelhante, que já tramitava na Casa. Por isso, em outubro de 2017 foi determinada a criação de uma comissão especial para analisar o projeto.
Apesar de criada, a comissão nunca foi instalada – sempre aguardou a composição dos integrantes do colegiado. Quase dois anos depois, então, foi aprovado o regime de urgência, nesta quarta-feira.
“Eu avisei ontem [terça, 13] que ia votar. Eu avisei dois meses atrás que ia votar abuso de autoridade, quando o Senado estava votando. Não teve nenhuma surpresa nessa matéria”, afirmou o presidente da Câmara.
Durante a sessão, alguns parlamentares defenderam o adiamento da votação, mas a maioria optou por votar nesta quarta. O plenário também derrubou os três destaques apresentados para modificar o texto.
Câmara aprova urgência para projeto de lei de abuso de autoridade
Votação nominal
O Novo apresentou dois requerimentos: um pedindo votação nominal e outro pedindo a retirada do projeto de lei da pauta. Os dois foram rejeitados.
Depois de negar a votação nominal, Rodrigo Maia afirmou que seguiu o regimento. “O que quero dizer é que o requerimento que a deputada do Novo apresentou é um segundo requerimento, este em cima de um primeiro requerimento que o Novo já tinha apresentado. E, por isso, fizemos a votação de dois requerimentos de obstrução — de forma pausada, com calma —, e ninguém pediu verificação.”
Segundo Maia, o partido usou seus requerimentos de forma democrática e ele não poderia aceitar outro com assinaturas, porque não teria como comprovar que os deputados estavam no plenário.